A estiagem deste ano está sendo muito pior do que o previsto inicialmente pelo governo, e os recursos arrecadados pela bandeira tarifária vermelha não são suficientes para fazer frente aos custos. Cálculos da consultoria TR Soluções obtidos pelo Valor apontam que os efeitos da seca vão ser responsáveis por grande parte dos aumentos da tarifa no próximo ano, com acréscimo de até 7 pontos percentuais sobre os reajustes tarifários. O efeito médio projetado para o país é de um acréscimo de 4,54 pontos percentuais.
Esse cenário já considera que a bandeira tarifária vermelha continuará em vigor até o fim deste ano, com acréscimo de R$ 5 a cada 100 quilowatts-hora (KWh). Os recursos arrecadados têm como destino a conta centralizadora das bandeiras tarifárias e são usados para pagar, principalmente, as despesas das distribuidoras com o despacho de termelétricas mais caras, que garantem o abastecimento no país em tempos de seca, e a exposição das distribuidoras ao déficit de geração das hidrelétricas (GSF, sigla em inglês para a diferença entre o que foi vendido pelas usinas e a energia efetivamente gerada).
Quando as distribuidoras de energia não recebem recursos suficientes para pagar a energia comprada, isso se transforma em um ativo regulatório, considerado no próximo reajuste tarifário da concessionária, com ajuste pela Selic.
Por exemplo, se uma distribuidora pleitear um reajuste tarifário de 10%, esse percentual deve ser acrescido de 4,54 pontos percentuais, levando a correção final a 14,54%. A previsão é uma média porque cada distribuidora tem uma composição própria de contratos de compra de energia, algumas mais expostas que outras ao risco hidrológico.
No caso da Eletropaulo, distribuidora que tem a concessão de São Paulo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou o reajuste médio de 15,84% no início de julho. Segundo o gerente Comercial e de Novos Negócios da TR, Helder Sousa, o déficit acumulado pela distribuidora desde a última revisão com a conta de bandeiras tarifárias representou um acréscimo de cerca de 6 pontos percentuais. Ou seja, se não fosse isso, a companhia teria um reajuste de 9% neste ano.
Segundo cálculos da EDP Energias do Brasil, esse déficit, que nada mais é um descasamento de caixa das distribuidoras, deve chegar a R$ 7 bilhões em agosto. Isso já aconteceu ano passado, quando foi necessário alterar a metodologia das bandeiras. Até então, o cálculo que resulta na bandeira não considerava o déficit de geração das hidrelétricas.
Mesmo com a incorporação do risco hidrológico na metodologia das bandeiras, o valor da cobrança adicional não está sendo suficiente para pagar as despesas das distribuidoras, uma vez o GSF projetado nas contas era muito menor do que o que está se concretizando. Na segunda-feira, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) elevou a projeção de custo do risco hidrológico no ano de R$ 29 bilhões para R$ 39 bilhões. Desse total, cerca de R$ 27 bilhões serão cobertos pelo consumidor do mercado cativo – das distribuidoras.
“A situação do risco hidrológico está ficando insustentável. Se não forem tomadas medidas, essa previsão de impacto de R$ 39 bilhões para o ano de 2018 vai nos levar a uma crise de inadimplência sem precedentes no Brasil”, disse Nelson Leite, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
Apenas em agosto, o déficit da conta das bandeiras – e que futuramente será repassado aos consumidores – deve ser de R$ 3 bilhões, calcula Sousa, considerando o GSF projetado para o mês e o preço de energia no mercado à vista no teto de R$ 505,18/MWh.
Diferentemente das geradoras, que têm instrumentos de proteção, as distribuidoras de energia têm uma gestão passiva do GSF, repassando o montante integralmente aos consumidores. Isso significa que a maior parte dos consumidores de energia do país, principalmente os residenciais, não têm alternativa para minimizar esses custos, que vão sendo incorporados às tarifas com correção.
Embora o risco hidrológico seja considerado “risco do gerador” na maior parte dos casos, hoje, cerca de dois terços do mercado cativo está sujeito ao GSF, o que explica a dimensão do problema. É repassado integralmente ao consumidor o risco hidrológico da energia de Itaipu, das usinas enquadradas no regime de cotas, e também daquelas que aderiram à repactuação proposta em 2015 às hidrelétricas para acabar com a guerra de liminares, proporcionalmente aos “seguros” comprados.